terça-feira, 25 de novembro de 2014

Ilegal: o uso medicinal da maconha e as pesquisas clínicas.

"Ilegal" é um documentário que mostra a busca de Katiele Fischer, 33 anos, pela autorização legal para importação de canabidiol, uma das substâncias ativas da maconha para uso medicamentoso na sua filha. Anny, 5 anos, sofre de um problema genético raro e, sem o tratamento solicitado, tem cerca de 60 convulsões por semana.


O caso faz ressurgir uma discussão que já é pauta em muitos países e no Brasil foi esquecida por um tempo: o uso medicinal da maconha. No entanto, não é apenas o uso medicinal da planta que está em pauta. O filme nos faz pensar sobre possível influência da Big Pharma nas pesquisas clínicas brasileiras e sobre como os interesses econômicos e a burocratização do sistema ainda são limitantes para a promoção do direito à saúde.

Devemos pensar o filme sob dois ângulos distintos que devem, porém, ser concorrentes: um pelo olhar dos usuários dos serviços de saúde e um pelo olhar das Agências Regulatórias. O longa-metra nos envolve e mostra detalhes da busca dos pais de Anny para tornar a importação do CBD legal. Vemos claramente a angústia e desespero dos familiares junto a uma burocracia que dificultou todos os trâmites legais para que Katiele deixasse de ser para o sistema uma traficante. Os pais de Anny, com poder aquisitivo e instruídos para isso, conseguiram lutar para aquisição de um medicamento cuja efetividade já havia sido demonstrada em outros países. 

Uma das principais questões levantadas pelos médicos envolvidos no caso envolve as dificuldades encontradas para se fazer pesquisa com substâncias derivadas da Cannabis sativa - que hoje faz parte da lista de substâncias proscritas no país. Todos eles, direta ou indiretamente, apontaram o fato de que pesquisar os usos medicinais da maconha poderia ter como consequência a diminuição na venda de inúmeros outros medicamentos, o que traria uma diminuição dos lucros das empresas farmacêuticas. Por isso, esse tipo de pesquisa não era incentivado no país. Além disso, mencionara que a existência do preconceito ainda dificulta os estudos de uma planta, cujo uso medicinal data de milhares de anos antes de Cristo.

Por outro lado, eu ainda acredito (e preciso acreditar!!!) que existe de fato uma preocupação das agências regulatórias com a segurança dos usuários dos serviços de saúde. Fazer pesquisa requer sim uma série de cuidados que preservem os usuários ou indivíduos envolvidos na pesquisa. A nossa luta deve ser para que o preconceito existente em torno da maconha não dificulte o desenvolvimento de novos fármacos a base de substâncias derivadas da planta. Essa luta, porém, não justifica a realização de pesquisas clandestinas como um dos casos mostrados no filme. Os benefícios de todos os fármacos devem ser estudados. No entanto, os riscos não podem ser esquecidos e a segurança dos usuários deve sempre ser garantida.

Outra coisa que me intriga é a diferença existente entre os países no que diz respeito ao registro de medicamentos. Como pode, por exemplo, a dipirona ser proibida em 17 países e no Brasil termos até comerciais estimulando o uso da mesma? O que faz com que o canabidiol seja seguro nos Estados Unidos e inseguro no Brasil? O que justifica o estímulo ao consumo excessivo de uma série de substâncias psicoativas capazes de gerar dependência e um repúdio a pesquisas envolvendo substâncias derivadas de maconha? No nível de globalização que atingimos, esse tipo de diferença realmente me faz crer que o que move o desenvolvimento de novos fármacos são os interesses econômicos dos países e não as necessidades da sociedade, o que me angustia enquanto farmacêutica e cidadã.

Destaco ainda outro aspecto interessante do filme: a mobilização de diversas mães pela mesma causa. Eu, como estudante do fenômeno de judicialização da saúde (quando usuários recorrem ao poder público para garantirem seu acesso a algum serviço ou tecnologia de saúde), acho interessante quando as lutas deixam de ser individuais e passam a ser coletivas. A ANVISA já autorizou 113 pedidos de importação de canabidiol desde o caso da Anny. A demanda crescente já aponta uma necessidade de revisão de política. Temos aqui um exemplo de judicialização interferindo na forma como a saúde está estruturada. E o documentário é categórico ao afirmar que "essas mães estão fazendo política".

Por último, destaco que, enquanto profissionais de saúde e seres humanos, temos dois papéis fundamentais: 

1. SEMPRE nos colocarmos no lugar dos usuários dos serviços de saúde. Em muitos momentos da história, os pais de Anny só precisavam ser ouvidos. Precisamos ter um olhar atento sobre as reais necessidades dos sujeitos para que possamos, de fato, contribuir para uma saúde de qualidade e para um país melhor;
2. Lutarmos por causas que a gente de fato acredite, mas, em hipótese alguma, colocarmos a saúde dos envolvidos em risco. Em hipótese alguma, é justificado, a realização de pesquisas clandestinas, sem autorização de comitês de éticas e cujos riscos sejam maiores que os benefícios.

Assim, despeço-me registrando que o filme é programa obrigatório para os profissionais de saúde e indicado aos usuários dos serviços!!!






sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O caos subjetivo e o uso indiscriminado de medicamentos: um problema contemporâneo. (Por Ruy Findlay)

O que motiva a busca por um medicamento?
 
Geralmente, o intuito de amenizar uma dor, combater uma infecção, compensar alguma disfunção fisiológica ou a necessidade de tentar anular alguma patologia que foi previamente diagnosticada. Em outras palavras, a busca pelo uso de um medicamento se dá como consequência de um sofrimento individual. Sendo assim, o medicamento é utilizado com o intuito de "remediar" uma condição de mal estar.
 
As possibilidades de sanar esses sofrimentos foram mudando com o tempo. Já tivemos momentos em que não se era possivel tratar uma infecção pelo simples motivo de não termos ferramentas para isso, cirurgias eram feitas sem anestésicos, o diagnóstico de um câncer era considerado uma sentença de morte. Felizmente, com o avanço científico foi possível contornar algumas adversidades e atuar de forma a atender a sanar algumas demandas em saúde.
 
Contudo, na atualidade, apesar da significativa melhora da qualidade de vida das pessoas, também fomos capazes de desenvolver alguns sofrimentos relacionados com a dinâmica da sociedade contemporânea. Vivemos uma época em que é normal viver submetido a uma constante pressão social. Durante todo o tempo, devemos demonstrar que somos dinâmicos, capazes de cumprir metas, eficientes e, acima de tudo, competitivos. Afinal, a demonstração da capacidade de lidar com os mais diversas esferas do cotidiano, tende a ser vista com a sonhada obtenção do sucesso. Somos estimulados a continua busca por liberdade e obrigados a estarmos sempre satisfeitos com prazeres atendidos.
 
Somos continuamente bombardeados por expressões publicitárias que querem nos mostrar que podemos ser mais felizes, mais atraentes, mais simpáticos, mais amorosos, ter mais disposição, mais potência, mais gozo.
 
Obviamente, muitas vezes, essa "equação não fecha" e nem todas as pessoas são capazes de lidar com tais expectativas e futuras frustrações. Mediante a isto, podemos notar uma crescente busca por mecanismos que irão preencher essas necessidades. Pois uma sociedade que lida com a doença, mas não admite o sofrimento, tende a transformar em patologia as condições humanas que não são consideradas adequadas nesse contexto social.
 
Tal mudança de perspectiva passou a ser usada como motivo para possíveis frustrações e fracassos na vida dos indivíduos, tanto nas questões profissionais, acadêmicas, organizacionais quanto no que tange a problemas no âmbito da vida afetiva e familiar.
 
O questionamento disso tudo é a possibilidade de que tais situações permitam que os indivíduos utilizem uma suposta causa biológica, que nem sempre é racional, para se justificar a dificuldade em lidar com o toda a sistemática social.
Em meio a essa nova proposta, a psiquiatria deixa de ser um conhecimento voltado exclusivamente para tratar a "loucura" passando a se dedicar a medicar as manifestações do sofrimento psíquico. Diante das constantes duvidas que norteiam o mundo pós moderno , este é um fenômeno muito importante. Pois, a crença no poder de uma pílula oferece uma ancoragem química para as subjetividades que estão a deriva. Logo, para quem se encontra diante de um estado de caos subjetivo, a pílula funcionará como um verdadeiro porto seguro.
É notório o aumento no consumo mundial de medicamentos psicoativos, contudo apesar de existir em paralelo um acréscimo nos diagnósticos de possíveis transtornos, deve-se olhar com bastante ressalva as motivações que desencadeiam o uso indiscriminado e irracional desses fármacos que, muitas vezes, coloca em risco a segurança do consumidor.
 
E para encerrar deixo uma citação do romancista Auldoux Huxley em 1958:
 
"A nossa sociedade ocidental contemporânea, apesar do seu progresso material, intelectual e político, dirige-se cada vez menos para a saúde mental, e tende a sabotar a segurança interior, a felicidade, a razão e a capacidade de amor no ser humano; tende a transformá-lo em um autômato que paga o seu fracasso com as doenças mentais cada vez mais frequentes e desespero oculto sob um delírio pelo trabalho e pelo chamado prazer."
 
 

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Saúde e Futebol: em que se parecem?

Esse ano, 2014, certamente vai entrar pra história. Nós, o até então, país do futebol, fomos derrotados pela seleção da Alemanha por 7 a 1 em uma semi-final do campeonato mundial. Talvez vocês estejam se perguntando o que falar sobre isso tem a ver com o meu blog. Mas, durante a derrota, notei que perdemos por um motivo simples: apesar de termos jogadores muito bons, não temos um time. Em outras palavras, era notório a falta de entrosamento da seleção brasileira e a belíssima articulação em campo da seleção campeã.

Na saúde, não é diferente. Para o setor dar certo, é necessário muito mais do que apenas financiamento e gestão como muitos pensam. Passar a vida culpabilizando quem está no comando não basta. A solução para os problemas do setor saúde no nosso país não depende apenas de quem detém os recursos. Depende também da nossa capacidade em reconhecer demandas específicas e trabalharmos juntos (em EQUIPE) a fim de atendê-las.

Nesse sentido, a interdisciplinaridade e o trabalho em equipe são fundamentais. Vivencio diariamente atividades hospitalares e o que vejo é uma completa fragmentação das diversas categorias profissionais atuantes. E aqui, não salvo nenhuma categoria profissional. A falta de integração é generalizada. Falta o médico saber que sozinho ele não salva vidas; falta o enfermeiro e o farmacêutico trabalharem juntos e não passarem uma vida inteira culpabilizando o outro por erros cometidos no serviço; falta conhecermos a importância do trabalho do outro para a nossa rotina; falta pararmos de criticar sem conhecer as limitações do serviço alheio; falta pensarmos em formas de melhorarmos o sistema como um todo; falta um monte de outras coisas.

Outro problema do nosso sistema de saúde (e aqui eu extendo meu pensamento para o sistema único de saúde como um todo e não apenas penso em uma unidade hospitalar) é a falta de união entre os diferentes níveis de complexidade do sistema. Para termos um SUS de verdade, precisamos ter uma atenção básica que sabe pra onde o paciente foi referenciado, precisamos ter uma média complexidade capaz de fazer mais do que apenas entregar um exame diagnóstico, precisamos ter uma atenção terciária capaz de acompanhar o paciente depois de um período de internação, por exemplo. Enquanto não formos capazes de nos comunicarmos, não seremos capazes de oferecer uma saúde de qualidade (e nem de lutar por uma!!!).

Enfim, o que quero dizer é que da mesma forma que a Seleção Brasileira foi derrotada em campo por falta de união, comunicação e incapacidade de perceber as particularidades de cada time adversário, continuaremos a oferecer uma saúde medíocre enquanto não tivermos: comunicação; interdisciplinaridade; humildade profissional e capacidade de reconhecer a importância do outro; capacidade de reconhecer as peculiaridades de cada caso e TRABALHO EM EQUIPE
. Cabe a nós procurarmos fazer a diferença!!!


terça-feira, 17 de junho de 2014

A Culpa é das Estrelas: um pouquinho de oportunismo, mas um filme que nos permite pensar.

Não sei se gosto muito dessas grandes produções que trazem um casal apaixonado, em que um dos dois (ou no caso desse filme os dois) tem câncer. Não que eu não goste do assunto. Pelo contrário, eu amo. Mas, acho cruel trazer uma versão tão romântica da doença com o propósito de faturar bilhões de dólares em bilheteria. O filme me arrrancou lágrimas e lágrimas, mas fico pensando se não é algo meio "Luciano Huck" e seu quadro Lar doce Lar: uma maneira de faturar rios de dinheiro em cima de um sistema que tá todo errado.

Esse filme, que me inspirou essa semana, traz a história de uma adolescente - Hazel, interpretada por Shailane Woodley - diagnosticada com câncer e que é forçada pela mãe a participar de um grupo de apoio cristão onde conhece Augustus (Ansel Elgort), paciente amputado já em decorrência de um câncer e que descobre-se metastático ao longo da trama. Os dois se apaixonam, vivem o primeiro amor e lutam otimistamente contra a doença.

Acho legal que a mídia aborde o assunto. Mas, não da maneira como vem abordando. A maioria das pessoas não gosta de falar no assunto e, por conta disso, muitas vezes desconhecem questões importantes que o norteiam (acesso ao tratamento, por exemplo). Não gosto quando esses filmes trazem uma visão 100 % romântica de famílias ricas americanas quando na vida real milhares de pessoas pobres morrem sem nem conseguir iniciar seu tratamento porque só conseguiram marcar o exame diagnóstico para daqui a seis meses. Não podemos só romantizar o assunto e esquecermos de questões reais que precisam ser discutidas. 

Vem esses filmes mostrar que se deve ser otimista ao longo de todo o tratamento arrancando o direito do paciente com câncer de sofrer. Cabe aqui mencionar outro personagem da trama, um amigo de Augustus que fica cego em decorrência do câncer. O filme mostra o menino de maneira descontraída um dia depois de perder seus dois olhos, como se na vida real essa fosse a maneira "ideal" de se relacionar com o fato. A mídia tenta fazer o paciente com câncer se sentir obrigado a lutar contra a doença de maneira feliz o tempo todo. A doença que, ao contrário dos que essas comédias românticas mostram, nem sempre tem como consequência a morte, traz sofrimento e dor. E esses sentimentos, muitas vezes, precisam ser vividos. Mas, em vez disso, qualquer sentimento de tristeza é transformado em depressão, o que acarreta outro problema: a medicalização desnecessária do sujeito (mas, isso é papo pra outro texto...).

Além disso, o direito do paciente à escolha sobre seu tratamento e condutas deve ser preservado. A menina, já adolescente, é obrigada pela mãe a participar de um grupo que ela não tem interesse. No filme, isso teve um desenrolar positivo... ela se apaixonou e viveu momentos bons. No entanto, na vida real, obrigar qualquer paciente (inclusive crianças e adolescentes) a fazerem coisas que não possuem interesse, nem sempre se desenrola de maneira positiva ao paciente. O direito a autonomia deve ser preservado independente do que a família, acompanhante ou profissionais achem "melhor".

Encerro esse texto dizendo que o mais importante é que nós, profissionais de saúde, sejamos capazes de, diante de qualquer filme que envolva saúde, extrair questões que vão além do romantismo e da visão utópica da ficção. Precisamos apreciar a obra, mas acima de tudo mostrar àqueles que estão ao nosso redor, que "a vida não é uma novela". Que ser feliz é importante, mas que não somos obrigados a estarmos 100 % bem, 100 % do tempo. Precisamos promover ações que melhorem a qualidade de vida do paciente, mas não precisamos medicá-los diante de qualquer sinal de tristeza.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Onde está o nosso Sistema de Saúde Único, Universal e Igualitário?

Essa semana eu me deparei com uma notícia que foi difícil até mesmo de acreditar na veracidade. No entanto, vários jornais e revistas veicularam matérias trazendo o assunto e, como hoje em dia, nenhum atrocidade é duvidável, resolvi escrever a respeito. 

Trata-se de um cartaz colocado em um posto de saúde em Goiás que trazia a seguinte frase: "Senhores pais, crianças que choram serão atendidas por último". Segundo os relatores, o cartaz foi colocado na parede externa de um consultório de odontopediatria.

Diante disso parei pra pensar em algumas coisas. Primeiramente, o que leva um profissional de saúde, cujas atribuições incluem não só atividades técnicas como também atividades de educação populacional, a ter uma atitude que vai contra os princípios mais básicos do nosso Sistema de Saúde?!

Nesse contexto, afirmo que podemos ter um milhão de falhas no nosso sistema, mas que, sem dúvidas, a Lei 8080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) é uma das leis mais belas e inspiradoras. Só que luta pelo acesso universal e igualitário não pode ficar no papel. Ainda estudo o SUS acreditando que um dia verei tudo que tá ali se concretizar. E, por eu ainda ter esperanças em um sistema que funcione, não posso ver uma asna dessa, que se diz dentista, tentar destruir os direitos do usuário dos serviços de saúde já na infância. Não sem me manifestar publicamente contra. 

A atitude dela esmaga o direito ao acesso universal (TODOS tem direito à saúde pública e de qualidade) e à igualdade (sem distinção de raça, classe ou qualquer outra). Cabe a nós, profissionais de saúde e cidadãos, combatermos essas práticas.





terça-feira, 22 de abril de 2014

Por que ainda erramos tanto na saúde?


Na segunda-feira da semana passada, dia 14 de abril de 2014, uma adolescente de 14 anos (mostrada na imagem ao lado) morreu após ter utilizado um medicamento errado. A menina teve uma crise de asma e, em vez de inalar um broncodilatador, inalou um colírio utilizado para o tratamento de glaucoma que promove nos brônquios o efeito inverso: a constrição. Como profissionais de saúde e usuários dos serviços, não podemos não nos angustiarmos diante desta notícia. Clique aqui para ler a notícia completa!!!

Já tivemos ao longo da história diversos casos de morte, como o da jovem Andriza, por erros de medicação. Alguns estudos estimam que nos Estados Unidos erros de medicação em hospitais causem mais de 7000 mortes por ano. No nosso país, ainda não temos essas estatísticas disponíveis. No entanto, fico me questionando até quando continuaremos a assistir pessoas morrerem por erros estúpidos sem debatermos o assunto com a importância que ele merece.

Nesse momento, não nos cabe pensar de quem é a culpa, mas pensar em maneiras de evitar a reincidência de erros como este. O grande problema é que, geralmente, todo o processo apresenta falhas e quando elas repercutem não somos capazes de pensarmos em como solucionar o problema, mas ficamos perdendo horas e horas colocando a culpa na outra categoria profissional.

Muitas vezes, podemos notar ilegibilidade de prescrições por médicos ou odontólogos; atendimento de prescrições sem a prestação efetiva da assistência pelo farmacêutico ou atendimento de uma receita que não foi 100 % compreendida; a administração equivocada pelo enfermeiro; a não adesão ao tratamento pelo paciente, entre outros. Mas, geralmente, uma morte como essa não é causada por um único erro de uma única pessoa, mas por um somatório de equívocos.

Acredito que a falta de comunicação entre os profissionais de saúde e a não prestação efetiva da assistência são os nossos grandes problemas. Nesse aspecto, quando falamos em farmácias e drogarias, a situação é ainda mais grave do que dentro das unidades hospitalares. O distanciamento entre os profissionais da saúde é notório e, ainda que erros sejam detectados, muitas vezes, o profissional não dá a devida atenção, não discute o caso com outro profissional e acaba atendendo indiscriminadamente prescrições, colocando, muitas vezes, a vida do paciente em risco.

Nesse contexto, cabe destacar ainda que enquanto a saúde continuar a ser vista única e exclusivamente como um mercado altamente lucrativo, milhões de Andrizas existirão. Precisamos conscientizar a sociedade de que medicamento é coisa séria! De que todos são responsáveis pela saúde! Os usuários dos serviços de saúde precisam saber que também possuem uma responsabilidade: é importante que saibam que possuem o direito de saber o que estão usando, o que estão comprando e os riscos e benefícios daquilo.

Não podemos prescrever medicamentos como quem rascunha uma redação, não podemos vender como quem vende doce e, acima de tudo, precisamos trabalhar em equipe, estarmos em harmonia e sermos capazes de orientar a sociedade quanto ao uso correto dos medicamentos.

terça-feira, 15 de abril de 2014

A beleza de uma segunda-feira na atenção básica!

Hoje, como aluna da residência multiprofissional em oncologia do Instituto Nacional de Câncer, estive presente, junto com outros estudantes das mais diversas categorias profissionais, na Clínica Municipal de Saúde Dom Hélder Câmara, em Botafogo, para uma atividade. A ideia era que falássemos um pouco sobre câncer com os agentes comunitários de saúde, mas o trabalho extrapolou todas as nossas expectativas.

Começamos com uma dinâmica sobre os mitos e verdades do câncer onde todos participaram ativamente. Depois mostramos um vídeo e começamos a parte expositiva da atividade, paramos para um café e continuamos a debater o assunto, encerrando com mais um vídeo  sobre cuidados paliativos. Em princípio achei que a proposta pudesse não dar certo, não sermos capazes de fomentar uma discussão interessante como o assunto merece. No entanto, fui surpreendida.


Os agentes interagiram de uma maneira tão agradável, como se já tivéssemos conversado antes. E dali pude constatar algumas coisas. Vi, na prática, como é importante que a alta complexidade esteja sempre interagindo com a atenção básica. O assunto câncer foi de ampla discussão e detectamos dúvidas básicas a respeito do assunto, importantes de serem sanadas. 

Os agentes comunitários estão em intenso contato com os pacientes e torná-los capazes de conversar sobre prevenção, fatores de risco e detecção precoce de câncer é fundamental na nossa luta para se diminuir a incidência da doença. Não podemos ficar fechados no hospital sem sabermos o que está acontecendo lá fora, sem investirmos na disseminação da informação. 

Termos a oportunidade de conversar com eles nos permitiu não só a transmissão de conhecimentos, mas também nos trouxe muito aprendizado. Fomos capazes de detectar falhas no sistema que nem sempre são detectáveis de dentro do hospital. Percebemos que ainda temos muito o que falar com a sociedade e outros profissionais de saúde sobre o assunto. Precisamos irradicar o medo de falar sobre o câncer!!!
Enfim, acho que a grande lição é que só com todos os níveis de complexidade do Sistema Único de Saúde em comunicação seremos capazes de propiciar uma saúde de qualidade à população, uma saúde verdadeiramente com prioridade preventiva!!! Precisamos ter essa consciência e trabalhar para que esses debates estejam constantemente acontecendo. No mais, agradeço a oportunidade e a recepção que tivemos na unidade de saúde, tanto pelos agentes quanto pela diretora da clínica que é, notadamente, uma profissional com vontade de fazer a diferença. 

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Judicialização da saúde: o que nós temos a ver com isso?

A judicialização da saúde é um assunto que devemos discutir e pensar não só como profissionais de saúde, mas também como usuários dos serviços. Primeiramente, o que vem a ser esse fenômeno? Fala-se em judicialização da saúde quando o usuário do serviço recorre à via judicial para garantir um direito em saúde como, por exemplo, obtenção de um medicamento.

Devemos saber que usar a via judicial é uma forma legal (digo legal no sentido denotativo da palavra, ou seja, garantido por lei) para fazer valer um direito que deveria ser atendido pelo poder executivo, mas que, por algum motivo, não o é. No entanto, muitas vezes, a busca pelo judiciário é feita de maneira desorganizada e irracional.

Então, temos dois tipos de judicialização: um que ajuda na estruturação do sistema e um que bagunça completamente esse sistema. No primeiro caso, podemos exemplificar com a alta demanda judicial por medicamentos HIV/AIDS que ocorreu na década de 90. Um grupo de pessoas entrou na justiça para assegurar seu direito ao tratamento. As demandas foram tantas que o governo detectou uma necessidade e criou uma das melhores políticas de fornecimento de medicamentos do país, reconhecida mundialmente como exemplo na terapia HIV/AIDS.

O grande problema surge, no entanto, quando os interesses individuais massacram necessidades coletivas. O indivíduo que, baseado nossa costituição federal ampla, sem limites, recorre à justiça na tentativa de obter qualquer coisa que julgue um direito em saúde. Junto as diversas interepretações da Constituição, temos um poder Jurídico despreparado para julgar questões de saúde tecnicamente complexas como as que chegam aos tribunais. O que acontece, muitas vezes, é que um sujeito entra na justiça por determinado medicamento influenciado pelo médico prescritor que, por sua vez, está sob influência do marketing da Indústria Farmacêtuica. Muitas vezes, ele está lutando por um medicamento sem registro no país ou até mesmo sem comprovação de segurança e efícácia. E aí surge um risco ao próprio paciente.

Ainda nesse contexto, observamos que a maioria dos pedidos são deferidos baseados apenas da prescrição médica. Poucas vezes, as questões técnicas são consideradas. Em outras palavras, fornece-se tudo o que se pede, trazendo muitas vezes, riscos maiores ao paciente do que benefícios e custos financeiros desnecessários. Além disso, em alguns casos, o demandante entra na justiça contra o ente federativo errado. Por exemplo, municípios são obrigados a arcar com custos altíssimos de tratamento que seria atribuição orçamentária da União.

Diante desse quadro que cresce exponencialmente no país, o nosso papel enquanto profissional de saúde é pensar em maneiras de assegurar os direitos dos usuários do sistema único. Devemos lutar para que os nossos gestores não deixem faltar condições para se tratar o paciente, tanto em quadros patológicos comuns quanto em doenças raras. No entanto, diante da falta de determinado recurso, devemos ser capazes de orientar corretamente o paciente para não causarmos um rombo orçamentário e, com isso, prejudicarmos milhões de outros pacientes. É uma luta difícil!!! Mas, cabe a nós pensarmos em maneiras de equilibrarmos a finitude dos recursos com as demandas infinitas e, ainda, não deixarmos os interesses por lucros massacrarem nossa luta em prol do acesso universal à saúde!!!

segunda-feira, 24 de março de 2014

Clube de Compras Dallas: um filme da vida real misturando arte e saúde.

O filme "Clube de Compras Dallas", dirigido por Jean-Marc Valée, é a história real de Ron Woodroof, personagem interpretado no filme por Matthew McConaughey. Em 1985, Ron Woodroof, um eletricista altamente homofóbico, é diagnosticado com HIV. A primeira reação do personagem, que se diz homofóbico convicto, é contestar os exames médicos por acreditar que o HIV/AIDS era uma doença que acometia exclusivamente homossexuais. No entanto, com a chegada dos sintomas, ele resolve pesquisar mais sobre a doença e acaba se colocando de outra maneira diante da situação. Ron, convicto do que deseja utilizar em seu tratamento, coloca-se do lado oposto ao da Indústria Farmacêutica criando um clube de fornecimento de medicamentos não autorizados pelo governo americano.

Ao longo da trama, uma série de questões de saúde, que já existiam nos anos 80 e que continuam contaminando a nossa sociedade, pôde ser levantada. Primeiramente, é interessante observar o momento em que o médico Dr. Sevard (Denis O'Hare) dá a notícia ao paciente. De maneira objetiva, o médico afirma que só lhe restam mais 30 dias de vida, o que não aconteceu com o personagem do filme, que viveu mais de seis anos desde o diagnóstico. Diante disso, fico me perguntando que tipo de estudo/ensino/faculdade é capaz de fornecer essa prepotência ao ser humano. Não sei durante quanto tempo ainda teremos profissionais de saúde audaciosos a ponto de colocar em números os dias de vida que um indivíduo possui.

Outra questão que devemos pensar (PENSAR MUITO!) é sobre os ensaios clínicos de medicamentos, ou seja, os estudos envolvendo seres humanos. No filme, vemos claramente os interesses da Indústria Farmacêutica em obter lucro massacrarem os interesses coletivos dos pacientes portadores de HIV. Um ponto que me chamou atenção foi o estudo envolvendo seres humanos que, inicialmente, teria a duração de um ano ter seu tempo reduzido a oito meses, o que certamente diminuiu a confiabilidade dos resultados obtidos, sem nenhuma justificativa plausível.

Além disso, podemos ver que após a aprovação do medicamento pelo FDA, ele é lançado no mercado a um preço absurdo, impagável por um sujeito comum. Ou seja, por mais que as Indústrias Farmacêuticas sejam hoje obrigadas a fornecerem os medicamentos com resultados de eficácia e segurança comprovados aos pacientes que participaram da pesquisa, o que acontece com os outros usuários dos serviços de saúde que não fizeram parte do estudo? É viável pagar 100.000 dólares, reais ou qualquer outra unidade monetária, por ano para ter acesso a um tratamento? É justo? Tivemos um progresso notório em relação aos tratamentos de HIV nas últimas décadas. Hoje o Brasil é exemplo mundial no programa de distribuição de medicamentos aos portadores do vírus. Mas, e as outras doenças? E os outros tratamentos de alto custo?

Outra discussão que o filme levanta é até que ponto o direito do indivíduo à autonomia é respeitado. Na trama notamos que todas as vezes que Ron Woodroof é internado, ele recebe o "AZT", o medicamento em teste que ele já havia falado à equipe de saúde que não queria receber. Vemos um serviço de saúde ditador que não só não deixa claro sobre os riscos e benefícios das opções de tratamento existentes como tenta impor uma situação sem respeitar os reais interesses do paciente.

Essas são só algumas das milhares de questões que poderíamos discutir em cima do filme. O "Clube de Compras Dallas" aborda de maneira brilhante o preconceito social contra os homossexuais, o preconceito que ainda existe em torno da AIDS, traz questões de saúde presentes há quase trinta anos na sociedade e nos faz pensar sobre a real função da nossa existência.


sexta-feira, 14 de março de 2014

Início de tratamento de câncer em até 60 dias: a quem eles querem enganar?

Lei 12732 promulgada em 2012 e regulamentada pela Portaria nº 876, de 16 de maio de 2013 estabele o prazo de no máximo sessenta dias para o primeiro tratamento do paciente com câncer, contados a partir do diagnóstico. Quase um ano depois, apesar da novidade já ter sido esquecida pela mídia, ainda temos muito o que pensar. Quais foram as efetivas melhoras que a incorporação desse lei ao nosso sistema trouxe ao paciente oncológico? Eu ousaria a dizer que absoulutamente nenhuma.

O grande equívoco do sistema é acreditar na crença de que criar leis e mais leis, portarias e mais portarias, resoluções e mais resoluções é a solução de todos os problemas. Muito se cria em termos teóricos e pouco se faz cumprir em termos práticos.

O que devemos pensar, no entanto, é quanto tempo demora até que o usuário do sistema único de saúde tenha acesso aos serviços diagnósticos de média e alta complexidade? Durante quanto tempo o paciente fica perdido na atenção básica, aguardando vaga para a realização dos exames diagnósticos?

Outras coisas ainda me intrigam: 60 dias é o prazo adequado para um paciente que tem uma massa de células proliferando-se sem parar dentro do seu organismo iniciar o tratamento? De que adianta criar uma lei que obriga o sistema a atender nesse prazo se uma série de outras fraquezas ainda assolam o Sistema Único de Saúde? Estamos preparados, em termos de infra-estrutura e recursos humanos, para atender a demanda real dos pacientes com câncer?

Enfim, o que precisamos é pensar em formas efetivas de melhorar o acesso à rede de atenção oncológica. O problema nunca foi a falta de um prazo estabelecido, mas sim os milhares de pacientes que morrem sem diagnóstico por falta de vaga no SUS para atendê-los. Precisamos encontrar meios de melhorar a comunicação entre a atenção básica e a média e alta complexidade. Só com um sistema integrado seremos capazes de resolver as reais necessidades dos usuários dos serviços de saúde.

sexta-feira, 7 de março de 2014

A utilização do facebook promovendo o uso irracional de medicamentos!

O mercado farmacêutico é repleto de conflitos de interesses: de um lado temos os gestores do Sistema Único de Saúde tentando promover o uso racional de medicamentos e diminuir gastos desnecessários; do outro, as grandes empresas produtoras tentando incentivar de todas as formas o consumo. No Brasil, as grandes indústrias chegam a investir mais em propaganda e marketing do que em pesquisa.

Esse alto investimento em propagandas, muitas vezes, cria uma demanda de consumo de medicamentos até então inexistente, o que fortifica a cultura da medicalização. O uso indiscriminado de medicamentos prejudica em primeiro lugar o usuário do serviço de saúde, sendo importante mencionar que os medicamentos são, desde 1995, uma das principais causas de intoxicação humana, excluídas as tentativas de suicídio (SINITOX).

Enquanto os órgãos reguladores tentam melhorar esse quadro, buscando mecanismos de controlar melhor as propagandas existentes no mercados e a prática da automedicação, as grandes empresas encontram meios, cada vez mais sutis, de burlar a legislação vigente. Grande exemplo disso é a criação de páginas na rede social do facebook. Essa prática que, vem sendo cada vez mais recorrente, vai contra diversas exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, através da RDC nº 96/2008, tenta combater práticas indiscriminadas de publicidade.


Alguns exemplos de páginas de medicamentos no facebook que, de maneira indireta, promovem o uso indiscriminado de medicamentos infringindo o artigo 4º da RDC nº 96 que proibe  essa prática.


Quando navegamos por essas páginas podemos notar uma série de infrações que vão desde a propaganda indireta até a promoção do uso indiscriminado de medicamentos, passando por uso de metáforas para incentivo ao consumo; propagandas voltadas ao público adolescente; promoção de concursos culturais envolvendo medicamentos; indicações off-label; representações visuais enganosas de alterações do corpo humano causadas por doenças, entre outras.

É importante pensarmos o assunto e estarmos por dentro das leis para que sejamos capazes de reconhecer essas infrações e combatê-las, preservando, assim, a saúde de toda uma sociedade. Afinal, ao contrário do que muitos pensam, saúde e medicamento estão longe de serem sinônimos.