segunda-feira, 24 de março de 2014

Clube de Compras Dallas: um filme da vida real misturando arte e saúde.

O filme "Clube de Compras Dallas", dirigido por Jean-Marc Valée, é a história real de Ron Woodroof, personagem interpretado no filme por Matthew McConaughey. Em 1985, Ron Woodroof, um eletricista altamente homofóbico, é diagnosticado com HIV. A primeira reação do personagem, que se diz homofóbico convicto, é contestar os exames médicos por acreditar que o HIV/AIDS era uma doença que acometia exclusivamente homossexuais. No entanto, com a chegada dos sintomas, ele resolve pesquisar mais sobre a doença e acaba se colocando de outra maneira diante da situação. Ron, convicto do que deseja utilizar em seu tratamento, coloca-se do lado oposto ao da Indústria Farmacêutica criando um clube de fornecimento de medicamentos não autorizados pelo governo americano.

Ao longo da trama, uma série de questões de saúde, que já existiam nos anos 80 e que continuam contaminando a nossa sociedade, pôde ser levantada. Primeiramente, é interessante observar o momento em que o médico Dr. Sevard (Denis O'Hare) dá a notícia ao paciente. De maneira objetiva, o médico afirma que só lhe restam mais 30 dias de vida, o que não aconteceu com o personagem do filme, que viveu mais de seis anos desde o diagnóstico. Diante disso, fico me perguntando que tipo de estudo/ensino/faculdade é capaz de fornecer essa prepotência ao ser humano. Não sei durante quanto tempo ainda teremos profissionais de saúde audaciosos a ponto de colocar em números os dias de vida que um indivíduo possui.

Outra questão que devemos pensar (PENSAR MUITO!) é sobre os ensaios clínicos de medicamentos, ou seja, os estudos envolvendo seres humanos. No filme, vemos claramente os interesses da Indústria Farmacêutica em obter lucro massacrarem os interesses coletivos dos pacientes portadores de HIV. Um ponto que me chamou atenção foi o estudo envolvendo seres humanos que, inicialmente, teria a duração de um ano ter seu tempo reduzido a oito meses, o que certamente diminuiu a confiabilidade dos resultados obtidos, sem nenhuma justificativa plausível.

Além disso, podemos ver que após a aprovação do medicamento pelo FDA, ele é lançado no mercado a um preço absurdo, impagável por um sujeito comum. Ou seja, por mais que as Indústrias Farmacêuticas sejam hoje obrigadas a fornecerem os medicamentos com resultados de eficácia e segurança comprovados aos pacientes que participaram da pesquisa, o que acontece com os outros usuários dos serviços de saúde que não fizeram parte do estudo? É viável pagar 100.000 dólares, reais ou qualquer outra unidade monetária, por ano para ter acesso a um tratamento? É justo? Tivemos um progresso notório em relação aos tratamentos de HIV nas últimas décadas. Hoje o Brasil é exemplo mundial no programa de distribuição de medicamentos aos portadores do vírus. Mas, e as outras doenças? E os outros tratamentos de alto custo?

Outra discussão que o filme levanta é até que ponto o direito do indivíduo à autonomia é respeitado. Na trama notamos que todas as vezes que Ron Woodroof é internado, ele recebe o "AZT", o medicamento em teste que ele já havia falado à equipe de saúde que não queria receber. Vemos um serviço de saúde ditador que não só não deixa claro sobre os riscos e benefícios das opções de tratamento existentes como tenta impor uma situação sem respeitar os reais interesses do paciente.

Essas são só algumas das milhares de questões que poderíamos discutir em cima do filme. O "Clube de Compras Dallas" aborda de maneira brilhante o preconceito social contra os homossexuais, o preconceito que ainda existe em torno da AIDS, traz questões de saúde presentes há quase trinta anos na sociedade e nos faz pensar sobre a real função da nossa existência.


sexta-feira, 14 de março de 2014

Início de tratamento de câncer em até 60 dias: a quem eles querem enganar?

Lei 12732 promulgada em 2012 e regulamentada pela Portaria nº 876, de 16 de maio de 2013 estabele o prazo de no máximo sessenta dias para o primeiro tratamento do paciente com câncer, contados a partir do diagnóstico. Quase um ano depois, apesar da novidade já ter sido esquecida pela mídia, ainda temos muito o que pensar. Quais foram as efetivas melhoras que a incorporação desse lei ao nosso sistema trouxe ao paciente oncológico? Eu ousaria a dizer que absoulutamente nenhuma.

O grande equívoco do sistema é acreditar na crença de que criar leis e mais leis, portarias e mais portarias, resoluções e mais resoluções é a solução de todos os problemas. Muito se cria em termos teóricos e pouco se faz cumprir em termos práticos.

O que devemos pensar, no entanto, é quanto tempo demora até que o usuário do sistema único de saúde tenha acesso aos serviços diagnósticos de média e alta complexidade? Durante quanto tempo o paciente fica perdido na atenção básica, aguardando vaga para a realização dos exames diagnósticos?

Outras coisas ainda me intrigam: 60 dias é o prazo adequado para um paciente que tem uma massa de células proliferando-se sem parar dentro do seu organismo iniciar o tratamento? De que adianta criar uma lei que obriga o sistema a atender nesse prazo se uma série de outras fraquezas ainda assolam o Sistema Único de Saúde? Estamos preparados, em termos de infra-estrutura e recursos humanos, para atender a demanda real dos pacientes com câncer?

Enfim, o que precisamos é pensar em formas efetivas de melhorar o acesso à rede de atenção oncológica. O problema nunca foi a falta de um prazo estabelecido, mas sim os milhares de pacientes que morrem sem diagnóstico por falta de vaga no SUS para atendê-los. Precisamos encontrar meios de melhorar a comunicação entre a atenção básica e a média e alta complexidade. Só com um sistema integrado seremos capazes de resolver as reais necessidades dos usuários dos serviços de saúde.

sexta-feira, 7 de março de 2014

A utilização do facebook promovendo o uso irracional de medicamentos!

O mercado farmacêutico é repleto de conflitos de interesses: de um lado temos os gestores do Sistema Único de Saúde tentando promover o uso racional de medicamentos e diminuir gastos desnecessários; do outro, as grandes empresas produtoras tentando incentivar de todas as formas o consumo. No Brasil, as grandes indústrias chegam a investir mais em propaganda e marketing do que em pesquisa.

Esse alto investimento em propagandas, muitas vezes, cria uma demanda de consumo de medicamentos até então inexistente, o que fortifica a cultura da medicalização. O uso indiscriminado de medicamentos prejudica em primeiro lugar o usuário do serviço de saúde, sendo importante mencionar que os medicamentos são, desde 1995, uma das principais causas de intoxicação humana, excluídas as tentativas de suicídio (SINITOX).

Enquanto os órgãos reguladores tentam melhorar esse quadro, buscando mecanismos de controlar melhor as propagandas existentes no mercados e a prática da automedicação, as grandes empresas encontram meios, cada vez mais sutis, de burlar a legislação vigente. Grande exemplo disso é a criação de páginas na rede social do facebook. Essa prática que, vem sendo cada vez mais recorrente, vai contra diversas exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, através da RDC nº 96/2008, tenta combater práticas indiscriminadas de publicidade.


Alguns exemplos de páginas de medicamentos no facebook que, de maneira indireta, promovem o uso indiscriminado de medicamentos infringindo o artigo 4º da RDC nº 96 que proibe  essa prática.


Quando navegamos por essas páginas podemos notar uma série de infrações que vão desde a propaganda indireta até a promoção do uso indiscriminado de medicamentos, passando por uso de metáforas para incentivo ao consumo; propagandas voltadas ao público adolescente; promoção de concursos culturais envolvendo medicamentos; indicações off-label; representações visuais enganosas de alterações do corpo humano causadas por doenças, entre outras.

É importante pensarmos o assunto e estarmos por dentro das leis para que sejamos capazes de reconhecer essas infrações e combatê-las, preservando, assim, a saúde de toda uma sociedade. Afinal, ao contrário do que muitos pensam, saúde e medicamento estão longe de serem sinônimos.