sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O caos subjetivo e o uso indiscriminado de medicamentos: um problema contemporâneo. (Por Ruy Findlay)

O que motiva a busca por um medicamento?
 
Geralmente, o intuito de amenizar uma dor, combater uma infecção, compensar alguma disfunção fisiológica ou a necessidade de tentar anular alguma patologia que foi previamente diagnosticada. Em outras palavras, a busca pelo uso de um medicamento se dá como consequência de um sofrimento individual. Sendo assim, o medicamento é utilizado com o intuito de "remediar" uma condição de mal estar.
 
As possibilidades de sanar esses sofrimentos foram mudando com o tempo. Já tivemos momentos em que não se era possivel tratar uma infecção pelo simples motivo de não termos ferramentas para isso, cirurgias eram feitas sem anestésicos, o diagnóstico de um câncer era considerado uma sentença de morte. Felizmente, com o avanço científico foi possível contornar algumas adversidades e atuar de forma a atender a sanar algumas demandas em saúde.
 
Contudo, na atualidade, apesar da significativa melhora da qualidade de vida das pessoas, também fomos capazes de desenvolver alguns sofrimentos relacionados com a dinâmica da sociedade contemporânea. Vivemos uma época em que é normal viver submetido a uma constante pressão social. Durante todo o tempo, devemos demonstrar que somos dinâmicos, capazes de cumprir metas, eficientes e, acima de tudo, competitivos. Afinal, a demonstração da capacidade de lidar com os mais diversas esferas do cotidiano, tende a ser vista com a sonhada obtenção do sucesso. Somos estimulados a continua busca por liberdade e obrigados a estarmos sempre satisfeitos com prazeres atendidos.
 
Somos continuamente bombardeados por expressões publicitárias que querem nos mostrar que podemos ser mais felizes, mais atraentes, mais simpáticos, mais amorosos, ter mais disposição, mais potência, mais gozo.
 
Obviamente, muitas vezes, essa "equação não fecha" e nem todas as pessoas são capazes de lidar com tais expectativas e futuras frustrações. Mediante a isto, podemos notar uma crescente busca por mecanismos que irão preencher essas necessidades. Pois uma sociedade que lida com a doença, mas não admite o sofrimento, tende a transformar em patologia as condições humanas que não são consideradas adequadas nesse contexto social.
 
Tal mudança de perspectiva passou a ser usada como motivo para possíveis frustrações e fracassos na vida dos indivíduos, tanto nas questões profissionais, acadêmicas, organizacionais quanto no que tange a problemas no âmbito da vida afetiva e familiar.
 
O questionamento disso tudo é a possibilidade de que tais situações permitam que os indivíduos utilizem uma suposta causa biológica, que nem sempre é racional, para se justificar a dificuldade em lidar com o toda a sistemática social.
Em meio a essa nova proposta, a psiquiatria deixa de ser um conhecimento voltado exclusivamente para tratar a "loucura" passando a se dedicar a medicar as manifestações do sofrimento psíquico. Diante das constantes duvidas que norteiam o mundo pós moderno , este é um fenômeno muito importante. Pois, a crença no poder de uma pílula oferece uma ancoragem química para as subjetividades que estão a deriva. Logo, para quem se encontra diante de um estado de caos subjetivo, a pílula funcionará como um verdadeiro porto seguro.
É notório o aumento no consumo mundial de medicamentos psicoativos, contudo apesar de existir em paralelo um acréscimo nos diagnósticos de possíveis transtornos, deve-se olhar com bastante ressalva as motivações que desencadeiam o uso indiscriminado e irracional desses fármacos que, muitas vezes, coloca em risco a segurança do consumidor.
 
E para encerrar deixo uma citação do romancista Auldoux Huxley em 1958:
 
"A nossa sociedade ocidental contemporânea, apesar do seu progresso material, intelectual e político, dirige-se cada vez menos para a saúde mental, e tende a sabotar a segurança interior, a felicidade, a razão e a capacidade de amor no ser humano; tende a transformá-lo em um autômato que paga o seu fracasso com as doenças mentais cada vez mais frequentes e desespero oculto sob um delírio pelo trabalho e pelo chamado prazer."
 
 

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Saúde e Futebol: em que se parecem?

Esse ano, 2014, certamente vai entrar pra história. Nós, o até então, país do futebol, fomos derrotados pela seleção da Alemanha por 7 a 1 em uma semi-final do campeonato mundial. Talvez vocês estejam se perguntando o que falar sobre isso tem a ver com o meu blog. Mas, durante a derrota, notei que perdemos por um motivo simples: apesar de termos jogadores muito bons, não temos um time. Em outras palavras, era notório a falta de entrosamento da seleção brasileira e a belíssima articulação em campo da seleção campeã.

Na saúde, não é diferente. Para o setor dar certo, é necessário muito mais do que apenas financiamento e gestão como muitos pensam. Passar a vida culpabilizando quem está no comando não basta. A solução para os problemas do setor saúde no nosso país não depende apenas de quem detém os recursos. Depende também da nossa capacidade em reconhecer demandas específicas e trabalharmos juntos (em EQUIPE) a fim de atendê-las.

Nesse sentido, a interdisciplinaridade e o trabalho em equipe são fundamentais. Vivencio diariamente atividades hospitalares e o que vejo é uma completa fragmentação das diversas categorias profissionais atuantes. E aqui, não salvo nenhuma categoria profissional. A falta de integração é generalizada. Falta o médico saber que sozinho ele não salva vidas; falta o enfermeiro e o farmacêutico trabalharem juntos e não passarem uma vida inteira culpabilizando o outro por erros cometidos no serviço; falta conhecermos a importância do trabalho do outro para a nossa rotina; falta pararmos de criticar sem conhecer as limitações do serviço alheio; falta pensarmos em formas de melhorarmos o sistema como um todo; falta um monte de outras coisas.

Outro problema do nosso sistema de saúde (e aqui eu extendo meu pensamento para o sistema único de saúde como um todo e não apenas penso em uma unidade hospitalar) é a falta de união entre os diferentes níveis de complexidade do sistema. Para termos um SUS de verdade, precisamos ter uma atenção básica que sabe pra onde o paciente foi referenciado, precisamos ter uma média complexidade capaz de fazer mais do que apenas entregar um exame diagnóstico, precisamos ter uma atenção terciária capaz de acompanhar o paciente depois de um período de internação, por exemplo. Enquanto não formos capazes de nos comunicarmos, não seremos capazes de oferecer uma saúde de qualidade (e nem de lutar por uma!!!).

Enfim, o que quero dizer é que da mesma forma que a Seleção Brasileira foi derrotada em campo por falta de união, comunicação e incapacidade de perceber as particularidades de cada time adversário, continuaremos a oferecer uma saúde medíocre enquanto não tivermos: comunicação; interdisciplinaridade; humildade profissional e capacidade de reconhecer a importância do outro; capacidade de reconhecer as peculiaridades de cada caso e TRABALHO EM EQUIPE
. Cabe a nós procurarmos fazer a diferença!!!