terça-feira, 25 de novembro de 2014

Ilegal: o uso medicinal da maconha e as pesquisas clínicas.

"Ilegal" é um documentário que mostra a busca de Katiele Fischer, 33 anos, pela autorização legal para importação de canabidiol, uma das substâncias ativas da maconha para uso medicamentoso na sua filha. Anny, 5 anos, sofre de um problema genético raro e, sem o tratamento solicitado, tem cerca de 60 convulsões por semana.


O caso faz ressurgir uma discussão que já é pauta em muitos países e no Brasil foi esquecida por um tempo: o uso medicinal da maconha. No entanto, não é apenas o uso medicinal da planta que está em pauta. O filme nos faz pensar sobre possível influência da Big Pharma nas pesquisas clínicas brasileiras e sobre como os interesses econômicos e a burocratização do sistema ainda são limitantes para a promoção do direito à saúde.

Devemos pensar o filme sob dois ângulos distintos que devem, porém, ser concorrentes: um pelo olhar dos usuários dos serviços de saúde e um pelo olhar das Agências Regulatórias. O longa-metra nos envolve e mostra detalhes da busca dos pais de Anny para tornar a importação do CBD legal. Vemos claramente a angústia e desespero dos familiares junto a uma burocracia que dificultou todos os trâmites legais para que Katiele deixasse de ser para o sistema uma traficante. Os pais de Anny, com poder aquisitivo e instruídos para isso, conseguiram lutar para aquisição de um medicamento cuja efetividade já havia sido demonstrada em outros países. 

Uma das principais questões levantadas pelos médicos envolvidos no caso envolve as dificuldades encontradas para se fazer pesquisa com substâncias derivadas da Cannabis sativa - que hoje faz parte da lista de substâncias proscritas no país. Todos eles, direta ou indiretamente, apontaram o fato de que pesquisar os usos medicinais da maconha poderia ter como consequência a diminuição na venda de inúmeros outros medicamentos, o que traria uma diminuição dos lucros das empresas farmacêuticas. Por isso, esse tipo de pesquisa não era incentivado no país. Além disso, mencionara que a existência do preconceito ainda dificulta os estudos de uma planta, cujo uso medicinal data de milhares de anos antes de Cristo.

Por outro lado, eu ainda acredito (e preciso acreditar!!!) que existe de fato uma preocupação das agências regulatórias com a segurança dos usuários dos serviços de saúde. Fazer pesquisa requer sim uma série de cuidados que preservem os usuários ou indivíduos envolvidos na pesquisa. A nossa luta deve ser para que o preconceito existente em torno da maconha não dificulte o desenvolvimento de novos fármacos a base de substâncias derivadas da planta. Essa luta, porém, não justifica a realização de pesquisas clandestinas como um dos casos mostrados no filme. Os benefícios de todos os fármacos devem ser estudados. No entanto, os riscos não podem ser esquecidos e a segurança dos usuários deve sempre ser garantida.

Outra coisa que me intriga é a diferença existente entre os países no que diz respeito ao registro de medicamentos. Como pode, por exemplo, a dipirona ser proibida em 17 países e no Brasil termos até comerciais estimulando o uso da mesma? O que faz com que o canabidiol seja seguro nos Estados Unidos e inseguro no Brasil? O que justifica o estímulo ao consumo excessivo de uma série de substâncias psicoativas capazes de gerar dependência e um repúdio a pesquisas envolvendo substâncias derivadas de maconha? No nível de globalização que atingimos, esse tipo de diferença realmente me faz crer que o que move o desenvolvimento de novos fármacos são os interesses econômicos dos países e não as necessidades da sociedade, o que me angustia enquanto farmacêutica e cidadã.

Destaco ainda outro aspecto interessante do filme: a mobilização de diversas mães pela mesma causa. Eu, como estudante do fenômeno de judicialização da saúde (quando usuários recorrem ao poder público para garantirem seu acesso a algum serviço ou tecnologia de saúde), acho interessante quando as lutas deixam de ser individuais e passam a ser coletivas. A ANVISA já autorizou 113 pedidos de importação de canabidiol desde o caso da Anny. A demanda crescente já aponta uma necessidade de revisão de política. Temos aqui um exemplo de judicialização interferindo na forma como a saúde está estruturada. E o documentário é categórico ao afirmar que "essas mães estão fazendo política".

Por último, destaco que, enquanto profissionais de saúde e seres humanos, temos dois papéis fundamentais: 

1. SEMPRE nos colocarmos no lugar dos usuários dos serviços de saúde. Em muitos momentos da história, os pais de Anny só precisavam ser ouvidos. Precisamos ter um olhar atento sobre as reais necessidades dos sujeitos para que possamos, de fato, contribuir para uma saúde de qualidade e para um país melhor;
2. Lutarmos por causas que a gente de fato acredite, mas, em hipótese alguma, colocarmos a saúde dos envolvidos em risco. Em hipótese alguma, é justificado, a realização de pesquisas clandestinas, sem autorização de comitês de éticas e cujos riscos sejam maiores que os benefícios.

Assim, despeço-me registrando que o filme é programa obrigatório para os profissionais de saúde e indicado aos usuários dos serviços!!!






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