terça-feira, 17 de junho de 2014

A Culpa é das Estrelas: um pouquinho de oportunismo, mas um filme que nos permite pensar.

Não sei se gosto muito dessas grandes produções que trazem um casal apaixonado, em que um dos dois (ou no caso desse filme os dois) tem câncer. Não que eu não goste do assunto. Pelo contrário, eu amo. Mas, acho cruel trazer uma versão tão romântica da doença com o propósito de faturar bilhões de dólares em bilheteria. O filme me arrrancou lágrimas e lágrimas, mas fico pensando se não é algo meio "Luciano Huck" e seu quadro Lar doce Lar: uma maneira de faturar rios de dinheiro em cima de um sistema que tá todo errado.

Esse filme, que me inspirou essa semana, traz a história de uma adolescente - Hazel, interpretada por Shailane Woodley - diagnosticada com câncer e que é forçada pela mãe a participar de um grupo de apoio cristão onde conhece Augustus (Ansel Elgort), paciente amputado já em decorrência de um câncer e que descobre-se metastático ao longo da trama. Os dois se apaixonam, vivem o primeiro amor e lutam otimistamente contra a doença.

Acho legal que a mídia aborde o assunto. Mas, não da maneira como vem abordando. A maioria das pessoas não gosta de falar no assunto e, por conta disso, muitas vezes desconhecem questões importantes que o norteiam (acesso ao tratamento, por exemplo). Não gosto quando esses filmes trazem uma visão 100 % romântica de famílias ricas americanas quando na vida real milhares de pessoas pobres morrem sem nem conseguir iniciar seu tratamento porque só conseguiram marcar o exame diagnóstico para daqui a seis meses. Não podemos só romantizar o assunto e esquecermos de questões reais que precisam ser discutidas. 

Vem esses filmes mostrar que se deve ser otimista ao longo de todo o tratamento arrancando o direito do paciente com câncer de sofrer. Cabe aqui mencionar outro personagem da trama, um amigo de Augustus que fica cego em decorrência do câncer. O filme mostra o menino de maneira descontraída um dia depois de perder seus dois olhos, como se na vida real essa fosse a maneira "ideal" de se relacionar com o fato. A mídia tenta fazer o paciente com câncer se sentir obrigado a lutar contra a doença de maneira feliz o tempo todo. A doença que, ao contrário dos que essas comédias românticas mostram, nem sempre tem como consequência a morte, traz sofrimento e dor. E esses sentimentos, muitas vezes, precisam ser vividos. Mas, em vez disso, qualquer sentimento de tristeza é transformado em depressão, o que acarreta outro problema: a medicalização desnecessária do sujeito (mas, isso é papo pra outro texto...).

Além disso, o direito do paciente à escolha sobre seu tratamento e condutas deve ser preservado. A menina, já adolescente, é obrigada pela mãe a participar de um grupo que ela não tem interesse. No filme, isso teve um desenrolar positivo... ela se apaixonou e viveu momentos bons. No entanto, na vida real, obrigar qualquer paciente (inclusive crianças e adolescentes) a fazerem coisas que não possuem interesse, nem sempre se desenrola de maneira positiva ao paciente. O direito a autonomia deve ser preservado independente do que a família, acompanhante ou profissionais achem "melhor".

Encerro esse texto dizendo que o mais importante é que nós, profissionais de saúde, sejamos capazes de, diante de qualquer filme que envolva saúde, extrair questões que vão além do romantismo e da visão utópica da ficção. Precisamos apreciar a obra, mas acima de tudo mostrar àqueles que estão ao nosso redor, que "a vida não é uma novela". Que ser feliz é importante, mas que não somos obrigados a estarmos 100 % bem, 100 % do tempo. Precisamos promover ações que melhorem a qualidade de vida do paciente, mas não precisamos medicá-los diante de qualquer sinal de tristeza.

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